sexta-feira, 27 de novembro de 2015

Memória de Nelson dos Reis







Corria o ano de 1980, o Brasil vivia tempos de “abertura política” e a ditadura militar ia chegando ao fim, respirava-se um ar de esperanças, e o ABC Paulista vivia momentos de movimentação sindical,política, social,econômica, etc...
Nesta época eu fazia um curso de Teatro na Fundação das Artes de São Caetano do Sul,quando o famoso e reconhecido bailarino e coreografo Klaus Viana ministrou uma Oficina de Dança a todos os estudantes de Artes Cênicas e aos Grupos de Teatro Amador do ABCD, quando conheci Nelson dos Reis, jovem ator e militante político/cultural que naquele momento era presidente da FEANTA-Federação Andreense de Teatro Amador , alem de trabalhar no DEPEC – Departamento de Esporte e Cultura de São Caetano do Sul como animador cultural.
Na época eu residia em São Bernardo do Campo,palco da cena política do Brasil, com a emergente liderança do LULA e da criação do Partido dos Trabalhadores e lá estava também o incansável Nelson dos Reis participando do ABCD- Sociedade Cultural,uma entidade criada a partir do Fundo de Greve do Sindicato dos Metalúrgicos de SBC, e que promovia varias atividades,tais como jornalismo,assistência jurídica,ação cultural,etc todas estas atividades sem fins lucrativos e realizadas por voluntários, militantes e de várias colorações ideológicas.Neste espaço cultural havia um Grupo de Teatro Amador , animado pelo diretor Lineu Constantino,que ministrava oficinas de preparação de atores,visando futuras montagens teatrais , mambembes e voltadas a população da região.Nelson era um dos lideres do grupo e convidou-me a participar,convite aceito  passei a integrar a trupe, e veio nossa primeira montagem,a partir de uma criação coletiva que se intitulava A INCRÍVEL HISTORIA DO HOMEM QUE VIROU CÃO ,  contava a historia de um desempregado que no limite das necessidades aceitou o “emprego” de cão de guarda de uma fábrica e metamorfoseou-se em cachorro, e o ator principal foi o Nelson que impressionava pelo desempenho, alem da Kátia que era a esposa assustada, o Bráulio que fazia o coringa,o Kioshi que era a banana ambulante,o Paulo o pregador de rua , o China um metalúrgico e eu o patrão etc... e assim nossa comedia rodou vários bairros , perfazendo 82 apresentações,fazendo rir e se possível fazendo pensar,seguindo a proposta de Brechet.

Ao lado de toda esta movimentação ia sendo criado o PT e o espaço que utilizávamos para ensaios era o espaço do Diretório Provisório então a convivência era mútua e os ideais eram comuns, ai o Nelson foi o primeiro a se filiar, eu o segundo e na sequência nós todos...um fato muito interessante,terminado os ensaios aos sábados nos reuníamos no bar do Paraquedas, na Praça Lauro Gomes,e numa noite destas encontramos Julio de Gramont e o Augusto, que organizavam a eleição do primeiro Diretório e tinha concebido uma bandeira para o PT que consistia eu um retângulo vermelho com uma estrela ao centro e ao meio a sigla PT...tomavam uma cerveja e tentavam rascunhar uma estrela, só que era de seis pontas, a de David, então  pediram ajuda, a mim e ao Nelson ,pois a estrela tinha que ter só cinco,eu que na época era desenhista e tirei de letra...ai recebi uma tarefa desenhar o rascunho da bandeira,que depois foi levado para a esposa do LULA , a Marisa Letícia que a confeccionou em tecido e esta bandeira ficou por muito tempo na parede da sala onde ensaiávamos e o Nelson sempre a reverenciava respeitosamente, pois tinha muita fé no nascente PT. Lembro-me também da primeira candidatura do LULA em 1982 para o Governo de SP,cujo lançamento foi na Praça Lauro Gomes,numa noite fria e garoenta onde o Nelson entusiasmado empenhou-se de corpo e alma na preparação e realização do evento, e ao final sorria feliz,pois tínhamos tido um publico de umas 5 mil pessoas.O tempo foi passando, a nossa convivência sempre muito próxima, conversávamos muito sobre tudo e todos, concordávamos ou divergíamos, mas uma coisa sempre deixava tudo em paz, o Nelson e seu violão , sempre a tira colo... e a primeira canção era Preta,Pretinha eu vinha te falar...musica que todos cantávamos.Ai veio a opção pelo jornalismo,entrou na Faculdade Casper Libero, e as vezes perdendo a hora,pedia-me uma carona de SBC ate a Av. Paulista , e eu de moto e ele na garupa cortávamos voando a Via Anchieta e num instante chegávamos lá.Nelson era poeta também, conseguiu com recursos próprios editar seu primeiro livro de poesias e alegria foi imensa,muitas comemorações com cervejinhas e o hambúrguer do Paraquedas até altas horas!
O tempo foi passando e lá estava o Nelson já formado e trabalhando na Editora Ática como editor onde entre centenas de títulos promeveu a publicação do livro "PT a Lógica da Diferença", da brasilianista norte americana Margaret E. Keck em 1991 quando o ajudei no lançamento do livro no Saguão do Teatro Municipal de Santo André-SP com as presenças da autora,do Lula e do saudoso Celso Daniel,então prefeito da cidade em seu primeiro mandato.
Tempos depois,Nelson sempre arrojado junto com sua esposa Rosa Zuccherato e do saudoso Luiz Bagio, fundaram sua própria editora, a Nova Alexandria, que hoje já é uma referencia e um legado à cultura e à inteligência dos brasileiros.Saudades!

sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

O Anjo da Morte






Nesta noite,visitou-me inesperadamente,o Anjo da Morte,pegou-me assim de surpresa,meio decomposto,pois com este calor dos últimos dias,estava eu em pêlo.
Foi logo perguntando:porque você saiu da fila?
Bem eu ,meio que gaguejando respondi que tinha desistido de ir (cá entre nós nestas horas é preciso ser esperto!) pois tinha ainda muitos sonhos a se concretizarem,telas em branco a serem pintadas,poemas em andamento para publicar,livros para ler e refletir,etc e se eu fosse naquela hora ficaria tudo inacabado,inclusive o meu testamento que só tinha rascunhado,faltando confirmar ainda alguns beneficiários,etc...desconversei e ofereci-lhe chá verde e biscoitos de gergelim...não queria ir muito a fundo no assunto.
Ele aceitou,e enquanto eu preparava a bandeja,com a xícara,mel...ele disse-me: nos últimos dias muitos jovens tem furado a fila,querem ir antes,é a pressa,não sabem esperar a vez,querem tudo de imediato,e o pior é que conturbam a escala e fazem com que os velhos como voce fiquem embromando e ganhando tempo! (ele era também muito esperto ao contrario)
O chá foi servido,os biscoitos deglutidos,ele agora descansado estava calmo,eu dei graças a Deus esperando ele despedir-se, quando de surpresa pediu para examinar minha boca, aberta contou meus dentes e disse, dos 32 voce ainda tem 28 ,parabéns! (não tinha notado que alguns já são postiços).
Depois despediu-se e falou assim:
Volto daqui há 28 anos,mas ai não vai ter desculpas não,terá que ir mesmo...e desapareceu no breu da noite!
Bom até lá tenho tempo para preparar-me melhor e quem sabe conseguir ainda um tempo extra!





domingo, 19 de janeiro de 2014

Recomendações Finais

 
 
 
Quando eu morrer quero um caixão de madeira crua, com seis alças e sem brocados.
Vistam-me com o terno cinza,camisa branca e a gravata azul.
Derramem sobre mim, o resto do meu perfume Portinari.
Nada de flores, nas mãos apenas um ramo de oliveira verde.
Que ardam nos cantos quatro velas de cera de abelha com odor do mel.
Em câmara ardente ouçam minhas músicas preferidas para a ocasião:
O Adagio de Albinone e As Quatro Estações de Vivaldi e Don Giovanni de Mozart.
Que silenciem as línguas dos malidícentes!
O cafezinho estará liberado, mas sem açucar!
No cortejo até a cova,nada de carrinhos de empurrar ou motorizados.
Quero seis homens assim escolhidos: nas alças da cabeceira meus dois filhos,nas medianas meus dois netos,e nas derradeiras o mais novo deles a direita e a esquerda aquele que me amou por ultimo!
O choro contido será liberado para as mulheres,porém as lágrimas das três que amei em vida, já partiram antes de mim e lá me aguardam.
Desejo que na hora das despedidas finais,chova copiosamente e todos saiam depressa,sem olharem para trás,deixando-me em paz na cova rasa!
Ao retornarem, passem antes pela minha casa, lá não encontrarão dinheiro ou joias,mas repartam entre sí, minhas telas,
desenhos,poemas, livros,discos,etc...
Em tempo,se encontrarem entre páginas de algum livro, uma carta de amor e um poema a mim dirigidos não os leiam, por favor lancem ao fogo! 
Parafraseando o poeta termino: aqui me calo,aqui me fino!






Ilustração: O DEVIR ,óleo sobre madeira,50x70,1997

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Papa Francisco

 
O Papa Francisco em sua primeira aparição pública,na janela do apartamento papal,que dá vista para a grande Praça de São Pedro,em Roma,no primeiro domingo após sua eleição,as 12 horas em ponto,diante de uma multidão de fieis,que acorreram para rezarem com ele o Angelus, surpreendeu a todos com sua voz suave,com um Buongiorno (bom dia) e fez questão de parar para ouvir a multidão responder Bom Dia! Ao final de sua prédica e oração,deu a benção e desejou a todos Buon Pranzo (bom almoço) e ao final depois dos aplausos, um Arriverdeci (até logo).
 
Domingo ultimo,novamente nos lembrou ,em sua fala simples e ao mesmo tempo inovadora as palavras mágicas da boa convivencia e do respeito mutuo:Per favore (por favor), Grazie(obrigado), Permesso(com liçença) etc...
 
Simples assim, foi preciso o Papa Francisco a nos lembrar,mais uma vez,aquilo que deveria ser corriqueiro,e de uso diario entre as pessoas!
 



* Ele tem um só pulmão,em consequencia de uma doença grave.

domingo, 11 de agosto de 2013

Dia dos Pais

Pai nosso que estais no céu...

Primeiramente lembro-me de meu pai, 
que já finou-se no ano 1970,
foi pai,amigo,trabalhador,palmeirense...
e do  tio Manoel (irmão do pai)
deficiente físico,alfaiate,
exemplo de honestidade, 
compromisso e de superação!

Dos pais da minha infância, 
lembro-me do Irmão Mario (nds)* 
sacristão da Igreja São José do Ypiranga
que tornou-me coroinha 
e teve muita paciência com o menino moleque que fui 
e do Padre Luigi Pellegrino (nds)*
que ensinou-me duas coisas:
ler  livro no ônibus em posição correta, 
e chupar laranjas sem descasca-las!
além de levar-me todas as quintas-feiras
 para a chácara de Guarulhos.

Dos pais da minha juventude 
que gastaram tempo comigo 
em minhas indagações juvenis:
Padre Tomas S. Palácios**
que no dia que completei o curso primário
 presenteou-me com um abridor de livros de prata
e mandou-me para o seminario.
Do EngºJosé Benzi que iniciou-me
na arte do desenho e da arquitetura,
e de tantos outros que foram pais
por dias,horas,ou momentos...
Também sou pai,sem ter gerado,
mas por adoção de meus filhos
que hoje também são pais...
(e eu avô de uma neta e três netos)

Fui pai de tantos outros
que cruzaram em meu caminho
de uma forma ou de outra,
que hoje também já são pais...
uns são gratos,outros indiferentes,
outros ainda esquecidos...
o importante é que fui,sou e serei 
ainda pai de tantos quantos
a mim se achegarem!




*    Notre Dame de Sion (nds)
**  Sacerdote Espanhol que foi Vigario Paroquial em SCS de 1955 a 1963







domingo, 28 de julho de 2013

Jorgin & Manuelino

Tudo ia bem na bucólica Albertina,cidadezinha do interior,com a vida pacata de seus habitantes, quando apareceu por lá, Jorgin, um desses andarilhos de estrada, esfarrapado, sem eira nem beira,que resolveu dar uma paradinha em sua vida errante, estabelecendo-se debaixo da ponte do Rio Turvado, que cortava a cidade bem ao meio. Jorgin saia pelas ruas perambulando, a esmolar , apelando a caridade publica, por um pedaço de pão ou uma roupa surrada...as vezes davam-lhe moedinhas,que juntando-as dava para comprar uma garrafa da maldita branquinha, água que passarinho não bebe, mas que aquece as madrugadas frias.
Uns achavam-no um coitado, outros ainda nem tomavam conhecimento de sua existência por lá, mas tinha os que incomodavam-se com ele e enxotavam o vagabundo, que detestava a ideia de trabalhar, só de pensar nisso já arrepiava-se todo,gostava mesmo era de viver solto,sem regras,etc...
Como sabem, as cidadezinhas do interior,possuem sempre uns personagens, assim excêntricos, quase folclóricos,que dominam a cena, um pouco doidos, conhecidos por todos...em Albertina não era diferente.
Manuelino um homem de uns quarenta e tantos, desde sempre encarnou o guarda noturno da cidade,andava de uniforme caqui, herança do avô que tinha sido soldado constitucionalista em 32,uma lanterna de pilhas e um apito, ganho de um juiz de futebol,que por lá passara algum dia. A noite era dele,punha ordem em tudo e em todos...os namorados, que atras da matriz trocavam juras de amor, nada convencionais que o digam, ninguém o contrariava, faziam de conta e pronto.Uma noite destas resolveu inspecionar debaixo da ponte e tomar satisfações do tal do Jorgin, que já meio bêbado dormitava, com um olho aberto e o outro fechado,   e de pronto, iluminando a cara do dito cujo com sua lanterna, foi logo gritando e dando ordens explicitas para que sumisse da cidade, ao que Jorgin num impeto de fúria atacou Manuelino com uma pedrada na cabeça e empurrou-o rio abaixo,e o afogou nas águas turvas e voltou tranquilo, pro seu cantinho, esperando que a correnteza levasse rio abaixo o corpo do infeliz para bem longe dali.
Desaparecido Manuelino,a cidade inteira deu por sua falta e logo a noticia correu de boca em boca e começaram a procura dele por toda a parte, até que dois dias depois seu corpo de afogado e ferido, fora encontrado por um pescador, entalado numa curva do rio. Ninguém em Albertina teve dúvidas, de quem teria sido o autor do assassinato, só poderia ser o vagabundo da ponte, e assim foi o delegado e dois praças para lá e prenderam Jorgin, que não negou a autoria do acontecido, mudando-se agora para a cadeia local.
Aberto o inquérito e caracterizado o homicídio qualificado correu processo no forun local.
A vida para Jorgin tinha melhorado sobremaneira,cafe da manhã, quentinha no almoço e jantar, alem das regalias de um teto,cama e banho...para quem debaixo da ponte tiritava de frio a noite estava bom agora, só sentia saudades da branquinha,nada é perfeito!Sr Delegado,até arrumara terno, gravata e sapatos, para que Jorgin ao apresentar-se ao Juiz convenientemente vestido.
A morte trágica de Manuelino, muito querido que era,  revoltou a população e dividiu as opiniões, com aproximação do julgamento, uns achavam que o réu deveria pegar trinta anos e morrer na prisão, outros achavam o contrario que deveria ser liberto para voltar a passar fome e frio e ser expulso da cidade.
Chegado o grande dia do julgamento,o povo todo ouriçado lotou o plenario do Forun para assistir, tudo preparado,advogados de acusação e defesa,jurados,testemunhas, entrou o Juiz de toga e martelo, pediu silencio e que se apresentasse o réu.
Surpresa geral,entra o delegado, que deveria ter conduzido Jorgin da cadeia para o banco dos réus e comunica ao Juiz diante de todos:Jorgin esta morto,fora picado por uma cascavel durante a noite!




terça-feira, 23 de julho de 2013

O Acidente Duplo

Alto verão, manhã quente,periferia de São Paulo, e o Edimilson, peão migrante, do nordeste, caminha pela calçada , subindo a Av. Baronesa de Cocais , rumo ao seu barraco, logo acima...absorto em suas lembranças, quando um caminhão do depósito de materiais, numa manobra de ré, atropelou o Edimilson, que com o golpe recebido caiu desacordado ao chão duro do asfalto quente, transeuntes que por ali passavam socorreram o acidentado, mas desconfiaram que de nada valeria, pois aparentemente já estava morto.
Acionada a policia, foram feitos os procedimentos de praxe, e constatada a morte , os policiais acionaram a presença da Policia Cientifica e a remoção do corpo pelo Serviço Funerário.
Enquanto isso o povo foi rodeando o corpo do rapaz, alguém providenciou jornais para cobri-lo e amenizar a exposição do corpo. O transito no local ,ficou um caos, todos os carros paravam para verem o acontecido. A policia montou guarda para preservação da cena e do corpo do pobre Edimilson, que quando vivo nunca mereceu atenção devida, sem parentes ou amigos, agora era alvo do publico, pois curiosidade mata!
Passaram-se horas e a Policia Cientifica não chegava para documentar o acontecido, o corpo continuava ali, o sol do meio dia era escaldante, torrava as cabeças das pessoas e fumegava no asfalto.
Lá pelas tantas aparece uma velhinha que piedosamente acende uma vela para o defunto, o policial estressado que montava guarda fica meio preocupado, mas respeita. Nisso aparece um moleque estabanado que querendo ajudar, tropeça e derruba a vela acesa, nisto os jornais que cobriam o corpo,rapidamente pegam fogo, queimando o morto, que num sobressalto dá um pulo e levanta-se.
O povão ao ver a cena grita, o policial de prontidão saca da arma e dá um tiro na perna do Edimilson que cai sangrando...mais gritos do povo!
O rabecão da funerária que ali estacionado aguardava para levar o defunto para o necrotério, muda o destino levando as pressas o Edimilson para o hospital.
Assim terminou o dia do nosso herói. Que azar, mas que sorte!